25 outubro 2005

Apneia do sono - parte II

A síndrome da apneia do sono é um problema que afecta mais homens que mulheres. Trata-se de uma paragem do fluxo respiratório que ocorre durante o sono. Em Portugal, estima-se que a prevalência seja semelhante à dos restantes países europeus, afectando 4% dos homens e 2% das mulheres. De acordo com Dr. João Marta Pimentel, director do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Garcia de Orta, que explica tudo o que há para saber sobre esta patologia, «a síndrome de apneia do sono define-se como a cessação do fluxo respiratório durante o sono, por mais de 10 segundos e mais de cinco vezes por hora». Cerca de 35% das pessoas que têm roncopatia sofrem de síndrome de apneia do sono. Mais conhecida pelo termo «ressonar», a roncopatia consiste no barulho produzido pela vibração das vias aéreas superiores à passagem do ar. Tal fenómeno deve-se à configuração do crânio e das vias respiratórias superiores. Voltando à síndrome de apneia do sono, o que, no fundo, acontece «é um colapso das vias respiratórias superiores, na zona do palato e da base da língua, durante a inspiração. Assim, a pessoa continua a desenvolver um esforço inspiratório contra uma via aérea obstruída, colapsada, até que este esforço vence o colapso, reiniciando-se a respiração», explica João Marta Pimentel, frisando que «é um ciclo que se repete inúmeras vezes durante a noite». Sintomas, factores de risco e consequências «A consequência directa desta síndrome consiste numa grave alteração do padrão do sono, com uma incapacidade em se atingir as fases profundas do sono, que são as fases restauradoras», revela João Marta Pimentel, acrescentando: «Deste modo, o doente não se sente restabelecido pela manhã, como uma pessoa normal. Tem sonolência durante o dia, quer no emprego, quer a conduzir ou a desempenhar outras actividades simples do dia-a-dia.» Poderá, ainda, haver cefaleias (dores de cabeça), irritabilidade e labilidade do humor. Nas situações mais graves, pode provocar deterioração intelectual, com alterações da atenção, memória e raciocínio e impotência sexual. Por outro lado, segundo o especialista, «a incorrecta oxigenação do sangue que ocorre durante a noite induz problemas graves, como o aumento do trabalho cardíaco, hipertensão arterial, arritmias cardíacas, aumento significativo do risco de enfarte agudo do miocárdio e alterações hormonais». O excesso de peso, a idade, o baixo tónus muscular – que é agravado pelo consumo de álcool à noite, de sedativos e falta de exercício físico –, bem como as alterações craniofaciais e do fluxo nasal são alguns dos factores que facilitam o aparecimento da apneia do sono. «Quer as alterações comportamentais, quer as consequências para a saúde do doente podem ser nefastas na sua vida. A sonolência, irritabilidade, falta de memória têm consequências muito negativas na vida social do doente, no emprego e na vida privada», indica o otorrinolaringologista.• E continua: «Estes doentes têm também uma taxa de acidentes de viação comprovadamente superior (sete a 15 vezes) à da população normal. Também os problemas sexuais e a roncopatia podem contribuir de forma muito negativa para a harmonia dos casais.» Existe um tratamento «médico» e um tratamento cirúrgico para a síndrome de apneia do sono. Segundo João Marta Pimentel, «o tratamento médico consiste na colocação de um aparelho durante a noite, em forma de máscara nasobucal ou sonda nasal, chamado CPAP, que cria um fluxo de ar contínuo nas vias aéreas superiores, impedindo o seu colapso». Este aparelho tem a vantagem de eliminar eficazmente a apneia do sono, mas tem de ser usado para o resto da vida. É desvantajoso porque pode ser mal tolerado pelo doente. «A cirurgia tem como maior vantagem a resolução do problema num curto espaço de tempo. As desvantagens prendem-se com o risco inerente a qualquer acto cirúrgico, o pós-operatório e os insucessos», sustenta o médico. «Não existe um tipo de cirurgia para a apneia do sono, mas vários, que são utilizados criteriosamente consoante a avaliação prévia do doente. Esta é feita pelos especialistas em Otorrinolaringologia.» «As cirurgias vão desde intervenções relativamente simples, como a reconstrução do palato mole, correcção de desvios do septo nasal e redução dos cornetos, a intervenções mais complexas, como diminuição do volume da língua a correcções dos ossos da face», acrescenta João Marta Pimentel. E conclui: «Quando os doentes são bem avaliados e tomadas as correctas decisões cirúrgicas, os resultados são bastante positivos, o que, na minha opinião, faz com que o tratamento cirúrgico para a apneia do sono deva ser, pelo menos, considerado em todos os doentes.» O otorrinolaringologista é o especialista que trata as doenças dos ouvidos, nariz e garganta, bem como a patologia do pescoço. Assim, esta especialidade, além de tratar os órgãos-alvo directamente relacionados com os sentidos do olfacto e da audição, é também a responsável pelo tratamento das respectivas infecções. Desta forma, surdez (ligeira e profunda), tonturas, patologia do nariz (má respiração, corrimento nasal e sinusites) e infecções da garganta ou alterações da voz (disfonia ou rouquidão), todos são quadros passíveis de ser tratados pelo otorrinolaringologista. Porque investe em várias frentes, o especialista em Otorrinolaringologia acabou por se dedicar mais a determinadas áreas, existindo a otologia, vocacionada para o ouvido, a rinologia para o nariz e a laringologia para a laringe. Ao nível do País há uma boa cobertura, de Norte a Sul e Ilhas, embora haja algumas carências de equipamentos e de infra-estruturas em alguns serviços de Otorrinolaringologia. Do meu ponto de vista, para resolver as assimetrias é necessário investir na racionalização dos meios que já estão disponíveis e, simultaneamente, na uniformização dos recursos humanos a nível nacional. Em Maio, entre os dias 14 e 17, teve lugar, em Vilamoura, a Reunião Magna da especialidade em Portugal. Pretendeu-se que o 52.º Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-facial (SPORL-CCF) tenha sido o testemunho e a imagem da vitalidade dos serviços e dos otorrinolaringologistas portugueses. A evolução da nossa especialidade e naturalmente da SPORL-CCF são evidentes. Orgulhosos do património herdado, sentimos a grande responsabilidade de prosseguir numa Sociedade, já cinquentenária, com confiança em gente de grande dimensão intelectual e cultural. Impõe-se, assim, incentivar os mais jovens para novas audácias, de forma a que o futuro, que se perspectiva, seja melhor e o nosso legado fique enriquecido. Prof. Doutor António Paiva Presidente do 52.º Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-facial Director do Serviço de Otorrinolaringologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra